quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Alyena II - Marônica

Aqui eu quero publicar a continuação da história de Alyena e suas aventuras e desventuras. Serão textos em capítulos ainda não revisados. Pretendo desenvolver todas as potencialidades que a primeira parte suscitou e dar um arremate final a ambas.
Não sei exatamente quantos capítulos publicarei aqui, mas não deixarei a história sem fim para quem segui-la realmente.



Alyena II - Marônica
Prólogo (sem revisão)


Zalian acordou num sobressalto. Sentia-se suado e ofegava. O quarto estava escuro. Na parca luz distinguiu os contornos  do corpo morno e sereno de Nayra, que dormia tranquilamente. 
Havia sonhado de novo. Tentou desesperadamente reconstituir as emoções tão vívidas e reais que experimentara. Sentou-se na cama e baixou a cabeça, apoiando a testa nas mãos. Fechou os olhos e foi como se a visse novamente. Ali estava ela, novamente, bela e sedutora como nunca. Seu corpo flutuando envolto no diáfano vestido branco que esvoaçava, escondendo e revelando contornos. Alyena!
 Não conseguia chegar a uma explicação razoável de porque estes sonhos o perseguiam e da obstinação em remoer acontecimentos de jaziam enterrados já há cinco anos. Alyena já não fazia mais parte de sua vida. Fora eliminada da sua realidade e da de seu povo. No entanto continuamente insistia em assombrá-lo. À noite, quando o calor de Nayra o confortava da carga de mais um dia de decisões que incidiam sobre a vida de toda a cidade, sentia-se pleno. Encontrava a paz naquele leito, naquela mulher, naquela amiga. Mas quando via os olhos dela se fecharem para o sono e seu lindo rosto desaparecer ao fechar dos seus próprios, penetrava numa outra alcova. Era transportado para outro esconderijo, a quatrocentos quilômetros distante dali, em linha reta para cima. Voltava para Alyena.
Perguntou-se novamente quando tudo começara. Premiu os olhos, queria rever todos os detalhes. Era importante não esquecer.
E tudo se revirava e emergia novamente, com a violência de um turbilhão. Uma obstinação que só o deixava após atingir o clímax.
Começou naquela maldita tarde quando se embrenharam pela cidade morta em busca da arma. Alyena estava exultante. Sua satisfação radiante aumentava ainda mais o magnetismo irresistível que a envolvia. Seu corpo alto e moreno a fazia parecer uma miragem contra os escombros da Cidade Morta. Ela estava sobre uma laje semi-destruída. Tinha um calçado peculiar, uma espécie de bota com tirantes entrelaçados que subiam até próximo aos joelhos, o que realçava os joelhos e as pernas morenas e bem torneadas. Do meio da coxa para cima um vestido bege, como as botas, a cobria desenhando bem a curva o quadril e fechando em torno da cintura estreita. A fazenda era rústica, própria para caminhada no mato, mas não falhava em delinear com graça os volumes dos seios, que se revelavam parcialmente por um decote trançado de corda. Zalian ainda trazia na ponta dos dedos a textura daquele tecido. Os braços estavam nus desde os ombros e reiteravam a morenice adquirida sob o sol dos trópicos. Sobre eles pousavam cabelos longos e castanhos que revoavam em pequenas mechas, como se brincando na brisa. Ela era vaidosa. Nos pulsos e pescoço, adereços os mais variados. Compreendiam artefatos sofisticados e tecnológicos, achados nas andanças, até ossos e pedras.
Zalian contemplou seu rosto novamente. Era de uma beleza cruel e esmagadora. A luz do entardecer trazia tons dourados à sua pele e fazia sobressair o branco de seu sorriso. Um sorriso perturbador, que não trazia a frívola alegria das jovens, mas a satisfação de uma conquista iminente. Seus olhos cor de mel tinham a firmeza da obstinação. Era difícil encontrar doçura neles, busca por justiça talvez. Não! Restituição. De algo que ela se julgava merecedora. Havia nos olhos dela um desejo de restituição. Em todo caso, tinham a capacidade de hipnotizá-lo. As sobrancelhas, estreitas e sérias, riscavam com precisão o contorno dos olhos e ressaltavam-lhes o desenho ao mesmo tempo que faziam sobressair a dureza do olhar.
Ali estava ela diante de si, afinal. Uma vez mais conjurada em seus pensamentos. Os fatos em torno dela, passados há quase dez anos, precipitaram-se rapidamente na memória.
Ele e ela começaram a exploração daquele terreno incerto. Em determinado momento ela desaparecera em um dos recessos das ruínas. Estava em busca da arma. Surgiu somente depois, quando ele já estava cercado e sendo golpeado pelo bando de pervertidos chamados Errantes. Ela trazia a arma consigo e eles recuaram ante a presença daquele objeto terrível. Lembrou que a chamaram de louca por carregar aquilo. Ainda hoje esta frase parece ter sido a mais certa em toda a história.
Depois saíram da cidade. Já era noite quando caminharam pela longa subida até o topo da colina que dava para o mar. Ela parecia embriagada pela descoberta. A trazia o objeto nas mãos como uma jóia de inestimável valor. Mas era uma arma, não uma comum, mas aquela com a alcunha de Infame, porque atacava covardemente pessoas a distâncias enormes, indefesas contra seu poder destruidor. Desmaterializava uma carga explosiva em sua câmara e a fazia ressurgir dentro do corpo da vítima a quilômetros do disparo. O atirador safava-se da punição, salvo pelo espaço que o separava do crime. E era justamente este o intento dela, matar sem ser punida. Ela queria matar, e conseguiu, embora não exatamente  a quem desejava.
Como foi doloroso quando ele descobriu que também fazia parte do plano, mas que sua parte havia quase terminado com escolta dela em segurança até ali. A última etapa seria ser a cobaia para o teste de funcionamento da arma. Zalian levou a mão ao peito. Eliminar testemunhas, esta era a intenção. Ela disparou impiedosamente contra ele. Não fosse o erro de regulagem ela realmente poderia ter explodido seu coração.
O que aconteceu depois foi o brilho de luz, a enorme esfera luminosa que levou a cabo a abdução de Alyena. Foi para a máquina em órbita, o satélite chamado Stella Pax, que espalhava terror na superfície do planeta com seus raios devastadores. 
Após isto foram anos de exílio pois ele não podia retornar aos seu povo, a seu líder, Maron, sem uma explicação para o ocorrido. Um tempo penoso, de solidão. Mas que lhe ensinou a paciência.
Neste momento as imagens começaram a se suceder em lampejos em sua cabeça.
A captura e a volta forçada ao povoado, que havia por aquela altura, se assentado às margens do rio. O interrogatório e a acusação do assassinato de Alyena. A sua afirmação de que ela estava viva, em algum lugar no céu. A formação do grupo que iria resgatá-la, que incluía seu amigo Steno, a garota do convento, Demini e a rainha das Jyssaras, Nayra. Lembrou-se da primeira vez que viu Nayra. Naquele momento não poderia jamais imaginar o quanto partilhariam juntos. Também lembrou-se com emoção das lágrimas de Yalena, irmã de Alyena, e de sua promessa de encontrá-la. 
E assim enfrentaram o longo caminho rumo ao norte. Um forte laço de amizade se formou entre eles.
Chegaram à casa de Oscar e Catarina Blankenburg onde boa parte do mistério envolvendo a Rede de Satélites e Stella Pax começou a se dissipar. Ainda nítido em sua retina estava final trágico do casal e o lampejo fulminante vindo do céu. Quase morrera junto com eles. 
Recordou destruição da ponte entre as grandes paredes de rocha no Vale do Monastério, e o corpo inconsciente de Nayra em seus braços quando a salvou de uma queda fatal. Foi a primeira vez que sentiu seu cheiro. Depois a parada no mosteiro subterrâneo onde o bondoso frei Eusébio lhes mostrou o caminho para o elevador orbital no extremo norte do país. Ele lhes forneceu o Barco, aquela mistura improvável de embarcação e carro ferroviário, que deslizava pelos trilhos, protegido pela campo de força de um fuzil Infame acondicionado em seu interior. Crispou os punhos à memória do ataque implacável de Malodamnus ao mosteiro e dos crimes contra aqueles homens pacíficos.
Não recordava ao certo quando soube que Alyena tinha se apossado do controle da estrela infernal. Sabia porém que tinha sido ela a executora da destruição de sua cidade e da morte de Maron. De cativa a captora, Alyena se tornara o perigo. Um momento foi crucial, quando ficou claro que deviam destruir Stella Pax e… Alyena.
Rapidamente repassou a aventura tortuosa a bordo do Barco, sempre para o norte, sempre sobre os trilhos. Lembrou a chuvosa e fantasmagórica São Paulo, o ataque do demônio ao bando de Lobsyan na estação militar subterrânea, os insetos mutantes, o curioso povo de Azocana e seu conflito com aqueles seres elétricos. Depois o percurso rápido e ininterrupto o terminal Korahner, seu destino final. Lá tiveram que driblar os canibais para iniciar o percurso até a órbita, a bordo do elevador orbital. Já no espaço, a fuga do desastre a bordo do pequeno veículo orbital. A aproximação da gigantesca Stella Pax, que ainda o impressionava, como se o estivesse envolvendo e sufocando.
Neste momento sentiu que a testa e as mãos suavam. Sua mente se atirou rápida pelos corredores internos da mega estação. As portas dos corredores brancos se sucediam como arcos de túnel em um trem acelerado. Com rapidez vertiginosa  logo estava na grande sala do observatório, parado. Lá embaixo resplandecia a Terra azul através do imenso vidro, mas a ele somente uma imagem importava, ela. Viu-se mais uma vez diante dela. Seu vestido branco, seu rosto ainda mais fascinante graças ao sutil halo azul de eletricidade. As emoções ressuscitaram à medida que o diálogo era revivido. O que ela dissera? Ela queria unir-se a ele. Pediu que ficasse com ela. Parecia sincera em suas palavras. Mas ela dissera algo que o deixara muito irado. Os amigos, sim. Ela fizera algo aos seus amigos, a Nayra. Agora ele tinha as mãos em torno do pescoço dela. E apertava, apertava. Seu coração disparou, suas mão tremeram. Deveria matá-la, era seu dever matá-la.
Ele prorrompeu num grito:
– Não!!
E num lamento baixinho:
– Me deixe em paz.
– Que foi, meu amor?
Zalian voltou-se. O rosto de Nayra pareceu-lhe tão doce e consolador sob luz tênue do quarto que suspirou de alívio.
– Nada, querida. Volte a dormir.
– São os sonhos de novo?
– Se fossem só os sonhos…

– Vem cá. Vamos, descanse. Amanhã será um longo dia.

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