segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Alyena II - Capítulo 3 - Lian

Capítulo 3 – Lian


– O que é uma assembléia, mamãe?
O menino esmerava-se em dar cor a um desenho. Uma profusão de lápis espalhava-se sobre a mesa. Seu colorido contrastava com a tonalidade amarelada e envelhecida do papel sob as mãos de Lian, apanhado em resmas nos escritórios abandonados da Cidade Morta.
– Ora, é aquilo que você já viu várias vezes. – Respondeu Lena do outro lado da cozinha. – Um monte de gente reunida.
– Isso eu sei, mamãe. Mas para que serve?
– Hum… estamos curiosos hoje.
– É que é chato ir lá. As pessoas ficam falando, falando, nunca termina.
– Mas do que você está reclamando, você foi uma vez só. Ainda porque Zilah ficou doente.
– Mas é chato. Vou ter que ir hoje de novo?
– Claro que não.
– Tá bom – disse Lian em tom claramente satisfeito sem tirar os olhos da folha.
Após algum tempo de silêncio:
– Você não me disse?
– O que, querido?
– O que é uma assembléia.
– Muito bem, – Lena sentou-se ao lado do menino – lá a gente, nós adultos, discutimos coisas importantes para nossa cidade. É lá que a gente decide se vai construir uma nova escola, uma nova praça para garotos como você brincarem, estas coisas assim.
– Ah! então é importante você participar.
– Bem, eles continuam me chamando, então eu vou.
– É verdade que tem poucas crianças?
– De onde ouviu isto?
– Na assembléia que eu fui. Tia Demini falou que nós devíamos ter mais bebês e que parece que tem algum problema que eles não nascem.
Lena olhou para aquele garotinho, tão novo e já preocupando-se com assuntos adultos. Arrependeu-se de tê-lo levado à reunião.
– Então? – insistiu Lian.
– Bem, – tornou Lena encostando a cabeça na dele, fazendo seus cabelos longos roçarem-lhe o ombro com um cheiro gostoso. – parece que alguma coisa aconteceu no passado que dificulta um pouco que nasçam bebês. Mas eles continuam nascendo. Você nasceu, não é mesmo?
– Mas eu não sou bebê!
A mãe riu-se.
– Claro que não, você já é um homenzinho. – voltou-se para folha de papel – Que desenho legal!
Liam largou o lápis e recostou-se na cadeira para desimpedir a visão de sua obra.
– Agora você explica. – Disse a mãe – O que é isto aqui em cima?
– É a Stella Pax. Pegando fogo, olha aqui.
– Hum… que terrível, não?
– Tinha uma mulher lá dentro dela.
Lena contemplou o vazio por um instante. Lian a trouxe de volta:
– Ela era má, não era, mamãe?
– Digamos – ponderou a mãe – que era alguém que não conseguiu ser feliz.
– Meus amiguinhos na escola dizem que ela era minha tia.
Lena respirou fundo. Não era dos seus assuntos favoritos para conversar. Principalmente com seu filho. Evitava ao máximo mencionar esta ligação entre eles e Alyena, mas sabia ser impossível uma vez que eram justamente estas histórias, que circulavam por todos os cantos, a força propulsora da nova cidade.
– Sim, Lian – disse olhando-o nos olhos – ela era minha irmã, portanto era sua tia.
– Ela morreu, não morreu?
Lena juntou as mãos brincando com os dedos e fixou olhar na explosão dramática que seu menino retratara.
– Sim, meu querido. Ela morreu.
– Ela era bonita?
– Sim.
– Como você?
– Mais.
– Mentira! Ninguém é mais bonita que você, mamãe!
– Olha só, tão jovem e já tão galanteador! – Deu-lhe um beliscão no braço.
Antes que Lian pudesse perguntar o que seria um galanteador Lena tratou de voltar ao desenho e manter as explicações do lado dele:
– E estes aqui embaixo, quem são?
– Este é o tio Zalian com a tia Nayra.
– Muito bem. E estes no canto?
– Tio Steno com a tia Demini, oras!
– Você caprichou, hem? E estes do outro canto?
– Eu e você – ele apontou com dedinho demonstrando que não poderia haver resposta mais lógica.
– Hei, mas espere aí! – Lena fingiu um tom severo – Você está do meu tamanho. Não acha que exagerou um pouquinho, não?
– Eu fiz de propósito.
– Porque?
– Para o desenho ficar igual nos dois lados e…
– E?
– Para você não ficar sozinha. Eu quero crescer rápido para ficar do seu lado com os adultos.
Lena sentiu seus olhos umedecerem. Deu um beijo na cabeça do menino e sussurrou em seu ouvido:
– Com você eu nunca estarei sozinha.
Zilah apareceu na porta e a chamou.
– Continue se desenho, querido. Mamãe tem que atender alguém.
– Sim, mamãe.
– E, Lian…
– Sim?
– Não queira crescer tão rápido, querido. Aproveite cada momento da sua vida, está bem?
– Sim, mamãe.

***

Lena passou da cozinha ao outro cômodo. Procurou enxergar através da cortina que cobria a porta da sala principal e dirigiu-se a Zilah:
– Quem é?
– Bem, mestra Lena… 
– Diga, mulher – Lena disse num sussurro impaciente.
– Bem, fiquei em dúvida se deveria deixá-la entrar…
– Não Vá me dizer que é aquela Jyssara com seu namorado “de fora”?
– Não, não…
– Então está bem, se é alguém de nosso povo está tranquilo.
– Não, eu não quis dizer que não é uma Jyssara…
– Zilah!… Que confusão é esta. Afinal é a Jyssara ou não é?
– É uma Jyssara, mas não a que a senhora pensa.
Zilah fez uma pausa para enfatizar a declaração.
– Seu nome é Biáh. Eu sei quem é. É a serva pessoal da rainha Nayra…

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